Texto de Ana Munari

Minha escrita está sendo movida por dois acontecimentos. O primeiro é a Feira do Livro de Porto Alegre, em sua 61ª edição; o segundo é o Viva Unisc, evento anual da universidade onde leciono. Neste último caso, a razão está na hashtag escolhida para a ação do Curso de Letras no Viva Unisc: LetrasTeTransforma. É pensando nessa oração tão afirmativa que escrevo, frase essa que bem poderia ser “Letras nos transformam”… As palavras nos transformam, a leitura nos transforma! Viva o livro, dizemos na feira! Viva o Curso de Letras, dizemos aqui! E as coisas não podem estar mais relacionadas, pois a abertura da feira foi transformadora: a reunião de poetas para declamar em uníssono o poema “Chamem o poeta”, uma verdadeira ode àquilo que a poesia pode fazer conosco, com o mundo.

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A feira também é uma festa. Desta vez, e novamente, é uma festa com gosto especial, que nos remete àquelas festas com brigadeiro, balão, palhaço, pirulito e brincadeira. É festa de criança, porque o patrono é Dilan! É o poeta Dilan Camargo, que faz o livro homenageado na feira ser o livro infantil. Dilan dos livros BrincRIar, Vampiro Argemiro, Poeplano, Bamboletras, publicados pela Projeto. Dilan, finalista, de novo, do Prêmio Açorianos, por Rimas pra cima, da Artes e Ofícios.

Já tivemos outros patronos que escreviam ou escrevem para as crianças: Erico e Monteiro, em homenagens póstumas, o poetinha inesquecível Mário Quintana, a professora Maria Dinorah, que escreveu uma centena de livros para os pequenos, e ainda Lya Luft, Antonio Hohlfeldt e Jane Tutikian, escritores que entre suas produções também contam com obras infantis e juvenis. É pouco para uma literatura tão rica, presente na nossa vida antes mesmo de aprendermos a ler, é pouco para a sua importância no mercado livreiro. Que leitor que pode ser assim chamado não teve entre suas mãos alguma vez na vida um livro infantil?

Se somos leitores, é justamente porque nos foram oferecidas as obras certas quando começamos a trilhar o caminho das letras, das palavras escritas. Se somos leitores e hoje estamos em festa, é justamente porque nos contaram histórias e nos leram poemas, poemas cheio de rimas e ritmos, que nos despertaram para a beleza, a graça, a estranheza, o mistério das palavras, dos sentidos, da literatura. Assim, este gosto especial está nessa saudação à literatura em sua dupla origem: a poesia e a literatura infantil, figuradas em nosso patrono Dilan.

Um dos momentos mais transformadores da minha jornada com a literatura infantil, e que teve o Dilan como culpado, aconteceu em um sarau da Escola Projeto, quando eu participei lendo para os pequenos. Um deles quis ler comigo, eu chamei, e a mãe cochichou: “mas ele não sabe ler”. Ora, ora, o poema justamente nasceu antes dos mistérios das letras! Li baixinho o poema para o pequeno Dudu e apontei para o refrão “Cabra cega não me pega”, repetindo o que estava escrito ali e dizendo que ele deveria poetar bem alto quando meu dedo apontasse aquele verso. Eu declamava os outros versos, apontava o “cabra-cega” e o Dudu… “Cabra-cega não me pega!”. Assim BrincRIar se tornou o preferido do sarau, de repente todo mundo sabia ler! Os versos viraram brincadeira, eram capazes de mágica! E “Se a plateia é seleta, chamem o poeta!” E se for pouco, chamem um enxame!

E hoje me vejo, vestida de Professora Minerva McGonagall, repetindo o refrão “Letras te transforma”, rodeada de alunos apaixonados pela literatura. São Quixotes, Emílias, Penélopes, Machados, Harrys, Pessoas, mas suas fantasias são apenas a concretização de um sonho que permanece mesmo depois da festa. É essa transformação dos leitores em mestres, em mediadores de leitura, encantadores de livros, eternos aprendizes das letras, que me encanta, me enche de esperança, esperança de que conhecendo o mundo, os sentimentos, as possibilidades, os problemas, as soluções, o sofrimento e a vitória, de que conhecendo “o outro”, através da literatura, nós podemos transformar o mundo. Começa pela gente, porque a literatura é apenas uma ponte para abrir nossos olhos para a realidade. A realidade, sim, é essa que temos de conhecer com olhos de quem conhece a metáfora, a rima, o estilo, de quem sabe enxergar as estratégias da linguagem mas também da vida, das gentes. É a realidade que temos de transformar, então… Chamem o poeta!

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As letras nos transformam: chamem o poeta!