Texto de Beth Baldi –

Como fazer para que os jovens se interessem pelos livros? O que dar a eles para que gostem de ler?

Foi com essas perguntas que Mempo Giardinelli, escritor, jornalista e professor argentino (*), iniciou sua palestra no último dia 7 de novembro, abrindo o Seminário Internacional: O papel da biblioteca e da leitura no desenvolvimento da sociedade, no teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa, dentro da programação da 60ª Feira do Livro de Porto Alegre.

Disse o autor que sempre que vai falar sobre o tema da leitura – ele é também presidente de uma fundação em seu país, que está voltada para a formação de leitores, trabalhando há muitos anos por esta causa – essas duas perguntas lhe são feitas por professores, bibliotecários ou pais, que se queixam de que “os jovens não gostam de ler”.

“Quem não gosta de ler são os adultos!”, provocou, repetindo a resposta que costuma dar a seus interlocutores. E fez isso várias vezes durante sua fala, dizendo injusta a tal afirmação e contando à plateia que nunca viu uma criança ou jovem dizer que não quer ouvir uma história, diante de um oferecimento para contar-lhe. A partir daí, apontou outras razões para explicar a falta de leitores e, então, trouxe a sua proposta.

Criticou programas escolares e universitários que deixam de lado os clássicos da literatura local e universal, inclusive em cursos como os de Letras e Biblioteconomia, perguntando como professores e bibliotecários que não leem novelas, poesias ou contos podem enamorar de literatura os jovens que frequentam suas aulas e bibliotecas? Como bibliotecários arquivistas e documentadores, que não leem, podem indicar ou recomendar livros a quem está realmente interessado em ler ou a quem está se iniciando na leitura? Como professores que têm uma relação apenas teórica com a literatura podem apaixonar seus alunos? Só poderemos enamorar as crianças e jovens da literatura estando nós mesmos enamorados!

Mostrou como a maior parte das bibliotecas, sendo escuras, fechadas, opressivas e feias, expulsam os leitores, em vez de atraí-los, perguntando “Quem vai querer ler ali?” e “Por que elas não são espaços abertos, bem iluminados, alegres e bonitos, convidativos como um shopping center, por exemplo?”.

Questionou o tratamento burocrático dado aos frequentadores das bibliotecas, chamados de “usuários” e proibidos de tudo dentro desses ambientes, bem como os horários em que elas funcionam (normalmente em horário comercial), na contramão da disponibilidade das pessoas para usufruírem de seu acervo. E novamente instigou a plateia, indagando “Queremos leitores apaixonados ou usuários?”, e comparou a restrição de horários das bibliotecas com a abertura de qualquer shopping até tarde da noite e nos fins de semana.

Colocou por terra os argumentos de quem lhe diz que não lê por falta de tempo ou porque o livro é caro, lembrando que ele custa o mesmo que uma pizza e que a leitura de um poema, por exemplo, não leva mais de 1 minuto e meio, e a de um conto talvez 5 ou 10min, enquanto a televisão, em nossas casas, toma a nossa atenção por horas a fio.

Pensando a leitura como a ampliação da capacidade de amor, inclusive de uma sociedade, Mempo afirma que o melhor caminho, talvez o único, para formarmos esses leitores que queremos seja LER para eles. Não falar de leitura, fazer análises e classificações, apenas LER!

“Ler em voz alta pode ser uma revolução! É um trabalho fantástico e baratíssimo!” – ele nos ensina. E nos convida a experimentar em casa: “Façam a prova! Em algum momento, à noite, desliguem a TV e leiam com quem estiver por perto (marido, filhos, avós), um poema, um conto, qualquer coisa. Não precisa ser mais de 10min, no começo até menos – 2, 3, 4min. Façam isso vários dias seguidos e vão ver que, depois de um tempo, se não o fizerem, alguém vai reclamar: Por que não tem leitura hoje?”
Ilustrando essa sua posição, contou sobre um programa que sua fundação desenvolve há uns 15 anos em seu país, chamado “Avós Contam Contos”, que, com essa mesma filosofia, garante que uma vez por semana as avós vão ler histórias em escolas e outras instituições. Não há um centavo de investimento, só amor e tempo, que as avós às vezes têm de sobra. Em contrapartida, com essa atividade, elas resignificam sua função, numa sociedade que normalmente as coloca como “descartáveis”.

Sugere que também se pode ler na empresa e, claro, na escola (não necessariamente na aula de literatura), de um jeito que “torne a leitura uma atividade natural, da vida”, que se faz todos os dias, com 3 minutos de leitura, por exemplo, para começar cada dia!

E sublinha que é importante “eleger bem o que se lê e ler bem, com gosto, com elegância, enamorados!”.

Mas, insiste, não precisa mais que amor, tempo e desejo de ler e compartilhar para construir uma sociedade leitora e é urgente começarmos o quanto antes, pois uma sociedade sem leitores, que não lê, é uma sociedade condenada ao suicídio cultural.

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(*) Saiba mais sobre o biografia e os livros do escritor em www.mempogiardinelli.org. Além de seus livros de ficção, recomendo um ensaio de 2006, que já tem tradução em português: Voltar a ler – propostas para uma nação de leitores, da Cia Ed. Nacional.

 

Como construir uma sociedade leitora